Trocando ideia com uma “cria de projeto social”

11/07/22
Publicado por Seu Vizinho

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Já ouviu a expressão “menino de projeto” ou “cria de projeto social”? Ela é muito comum entre jovens do Aglomerado da Serra e, provavelmente, entre jovens de outras favelas e periferias, que frequentam ou frequentaram projetos sociais. Esses projetos estão ligados à arte, cultura, esportes, reforço escolar, entre outras áreas e são muito importantes para complementar a formação humana de crianças, adolescentes, jovens, pessoas adultas e idosas também, por que não?

O Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas do Brasil, possui 34.303 moradores em 11.013 domicílios e ocupa uma área de 1.501.893,00 m², segundo dados do Plano Global Específico 2018 (Supervisão de Planos Urbanísticos/URBEL - Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte). Mas esse valor varia e a própria URBEL avalia que em 2019 a população do Aglomerado já ultrapassou 50 mil habitantes.

2 Onde

O território é uma periferia urbana (quilombo urbano) situada na região centro-sul da cidade e o maior conjunto de vilas do estado de Minas Gerais. A comunidade tem em seu entorno, a encosta da Serra do Curral, símbolo da capital mineira, o Parque Municipal das Mangabeiras, a maior área verde da cidade e o Parque Estadual Floresta da Baleia. O Aglomerado é formado pelas vilas: Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Santana do Cafezal, Novo São Lucas, Fazendinha e Marçola. A sede do Seu Vizinho está localizada na Vila Marçola.

Apesar da sua potência, a região está entre as com maior Índice de Vulnerabilidade Juvenil da cidade. Além disso, as/os jovens locais são majoritariamente negras/os e estão mais sujeitos a serem mortos por arma de fogo do que jovens que vivem fora da favela (Fonte: Relatório Parcial da Comissão Especial de Estudo sobre o Homicídio de Jovens Negros e Pobres de 2018).

Nessa parte da cidade, a demanda por projetos sociais é enorme e nenhum projeto daria conta de atender, isoladamente, todas as pessoas do território. Por isso, a importância da existência de vários projetos e do trabalho em rede entre essas organizações, aumentando seu impacto para a população local.

Para saber do impacto dos projetos sociais, nada melhor do que conversar com  uma cria de projeto, ou seja, uma pessoa que vivenciou isso e sente no seu dia a dia os reflexos positivos. Por isso vamos entrevistar uma moradora muito fera que, desde pequena, frequentou projetos sociais e que, hoje, desenvolve, participa e apoia diversos projetos no Aglomerado da Serra.

Luisa

1. Qual seu nome e idade?

Luisa Nonato, 27 anos

2. Em que vila você mora?

Vila Nossa Senhora da Conceição, mas, mais especificamente na Caixa D’agua. 

3. Qual sua formação?

Sou professora por formação e atualmente estou me especializando em Educação, pelo Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão da FaE-UFMG.

4. Você já passou por algum projeto social?

Sim. Costumo dizer que sou cria de projetos sociais, pois desde muito nova essa foi a opção que minha mãe teve de recorrer para conseguir criar sozinha eu e meus outros três irmãos. Então, desde criança eu frequentei diferentes projetos sociais na Serra, voltados para o esportes, artes e atividades de reforço escolar. 

5. Você já teve ou tem atuação em algum projeto social?

Sim. Tenho em vários. Mas destaco aqui o Circuito SERRA: transitando na quebrada, um projeto que desenvolvo junto com outras pessoas do Aglomerado da Serra voltado para educação sobre o território, de modo a criar situações para que possamos discutir os desafios e potencialidades de se viver numa favela. Nesse projeto, é grande a participação de artistas, agentes culturais e organizadores de projetos sociais com atuação em todo o território. Nos encontros questionamos algumas histórias que são contadas sobre o Aglomerado e, depois disso, buscamos construir e contar outras histórias, para desenvolver um Guia Afetivo do Aglomerado da Serra, que podemos dizer que são histórias, memórias e “causos” que nos levam a compreender o lugar, numa perspectiva muito diferente da que costumamos ver em jornais.

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6. De onde veio a ideia?

Veio muito da visão que outras pessoas têm sobre o que é uma favela, geralmente, associando-a somente a eventos negativos envolvendo o tráfico de drogas, violências e pobreza. Por muito tempo eu quis não morar aqui e também neguei isso. Com o tempo fui aprendendo que pontos negativos qualquer lugar no mundo possui, mas porque na favela predominam sobretudo esses pontos negativos? A partir daí passei a questionar essa ideia e me aproximar de pessoas que tinham esses questionamentos assim como eu, o que fortaleceu a minha identidade favelada. Não é que não tenha problemas em morar numa favela. Aliás, tem muitos que me entristecem por não poder fazer ainda mais. Mas também tem histórias, pessoas, lugares muito especiais, que precisam ser lembrados para que a gente continue questionando a falta de oportunidade em muitos espaços.

7. Qual a importância dos projetos sociais no Aglomerado da Serra?

Os projetos sociais são fundamentais aqui, porque a gente sabe que lutar para que as pessoas tenham mais acessos aos seus direitos é uma constante que o Estado sozinho não consegue (ou não quer) nos oferecer. Por isso, acredito muito que a minha formação social enquanto cidadã veio muito desses espaços que me ofereceram acolhimento, alimentação, conhecimento, acesso à arte, cultura, lazer e troca de saberes muito singulares e que seguem comigo até hoje.

8. Qual a importância do protagonismo favelado, ou seja, de moradores atuando na coordenação desses projetos?

Gosto muito da frase do Douglas Din e do Marquim D'Morais quando eles falam na música Favela que “Só quem é de lá sabe o que acontece”. Quem melhor do que quem vivencia e experiencia essa realidade para dizer o que pode ou não ser relevante para esse espaço? Para mim, deveria ser uma obrigação envolver desde a base até as pontas de projetos a participação de pessoas inseridas naquela realidade. A bagagem vivida é muitas vezes mais importante do que um conhecimento técnico que muitas vezes nem dialoga com o que de fato aquelas pessoas precisam e desejam.

9. Quais os maiores desafios esses projetos enfrentam?

A falta de recurso e reconhecimento eu acredito que são os piores. Infelizmente, dependemos muito de dinheiro para fazer ações com qualidade, o que nos limita muito porque temos muito pouco. E quando envolve um pouco de recurso, muitas vezes é tão burocrático para conseguir que muitos de nós acabam desistindo. 

10. Como contribuir com esses projetos?

Acho que o mais importante é ESCUTANDO e ACOLHENDO. Escutar é diferente de ouvir, porque demanda muita cautela e atenção. Muitas vezes o que um projeto precisa não é o que a gente acha que ele precisa. Por isso, eu acredito que a contribuição pode ser multifacetada, desde um comentário num post nas redes sociais até a tentativa de realizar uma campanha com doações de alimentos, entre outras.

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11. Falando em projetos do Aglomerado da Serra, você já conhece a Coletiva MULHERES DAS QUEBRADAS?

Mulheres da Quebrada é uma ColetivA, isso mesmo, no feminino. Uma coletiva criada por quatro mulheres: Scheylla Bacellar, Sandra Sawilza, Simone Silva e Lídia Vieira, para  realizar atividades culturais e ações assistenciais para mulheres na região do Aglomerado da Serra.

Elas iniciaram suas atividades em 2018 e os temas levantados pelas mulheres na primeira reunião foram a violência doméstica, a invisibilidade da mulher na sociedade, as questões relacionadas com a mulher negra na sociedade dentre outras situações que afetam a vida dessas mulheres. O objetivo da Coletiva foi criar uma rede de afeto e cuidado, onde todas as mulheres pudessem compartilhar suas experiências e se ajudar.

Hoje a Coletiva conta com mais de 400 mulheres e conta com a parceria de psicólogas, médicas, advogadas e também com a colaboração do Projeto Mediação de Conflitos.

Além de todo esse trabalho maravilhoso a Coletiva também trabalhou fortemente com ações voltadas para a pandemia do Coronavírus. Como arrecadação de cestas básicas, máscaras e itens de higiene que foram e são até hoje distribuídos para as famílias das vilas e ainda atuam no atendimento psicológico e reforço escolar das pessoas da comunidade.

campanha

A Coletiva tem uma campanha de financiamento coletivo na evoé (LINK: https://evoe.cc/mulheres-da-quebrada-rede-de-apoio-e-afeto-vinda-de-dentro-da-comunidade) e o objetivo é alcançar apoiadores com doações mensais que possibilitem a continuidade gratuita dos atendimentos assistencial, psicossocial, distribuição de cestas básicas, kits de higiene e limpeza e oficinas virtuais em tempos de pandemia.

Para saber mais da Coletiva Mulheres das Quebradas: @coletivamulheresdaquebrada, 31 99328-8539

Outro projeto da rede do Aglomerado da Serra que está no “corre” em busca de melhores condições de vida e de oportunidades para a população local é o Seu Vizinho, você conhece?

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Como e por que surgiu o Seu Vizinho?

O Seu Vizinho surgiu em novembro de 2014 como um bloco de carnaval na Vila Marçola, no Aglomerado da Serra, vulgo Serrão, uma das maiores favelas do Brasil, com o objetivo de fazer um carnaval acessível, coletivo, diverso e de resistência, que contribuísse para o fortalecimento e das pessoas do nosso território, em sua maioria negras, para a valorização da cultura e das potências da favela e para a união da cidade.

Nessa época, carnaval de blocos de rua estava crescendo de forma acelerada em Belo Horizonte, porém, Paulo Vitor e sua família, já vinham percebendo que as pessoas moradoras do Aglomerado da Serra tinham um acesso muito restrito à manifestação cultural popular do carnaval e eram colocados à margem do uso e da produção da festa, assim como de fruição, ocupação e trânsito pela cidade. Além disso, as pessoas fundadoras também começaram a questionar a própria participação delas em alguns blocos onde não se percebia um certo compromisso musical, tanto do bloco quanto das pessoas participantes. Porém, a partir da experiência nesses blocos, viram a viabilidade de criar um bloco próprio de carnaval de rua no Aglomerado da Serra e de mudar uma das lógicas de exclusão do carnaval.

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Por que “SEU VIZINHO”?

O nome “Bloco Seu Vizinho” é um trocadilho. A intenção é dizer para os vizinhos, moradores do Aglomerado da Serra e também não moradores, que o bloco é deles, é de todos “é SEU, vizinho” e, dessa forma, demonstrar acolhimento e abertura para a co-construção, a co-presença e o compartilhamento de experiências. Ao mesmo tempo, dizer também que o bloco é vizinho deles (“é seu VIZINHO”), ensaia e desfila próximo, dentro da comunidade e que não há barreiras para a participação e que não deveria haver limites rígidos entre os territórios e as pessoas de toda a cidade. Paulo Vitor e as pessoas participantes do BSV acreditam que as pessoas, embora sejam de realidades e com acessos diferentes, são vizinhos na nossa cidade, independente do bairro e que é importante haver a mistura e envolvimento de pessoas que moram e que não moram no Aglomerado da Serra para a transformação das desigualdades que envolvem os territórios. Compreender as pessoas e territórios como vizinhos, é um pressuposto do BSV, isso favorece as trocas e os questionamentos sobre as desigualdades existentes entre sujeitos de territórios e realidades diferentes. 

O que o projeto se tornou?

Com o tempo, houve uma ampliação das ações no campo da arte, da cultura, da educação e do apoio socioassistencial às famílias da comunidade. Além disso, buscou-se o fortalecimento do trabalho em rede com artistas, coletivos e outras organizações locais. Hoje o Seu Vizinho é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) formalizada, sem fins lucrativos e atuamos com Arte e Cultura como Formação Humana. O público participante inclui principalmente pessoas do aglomerado, mas também de outras partes da cidade: crianças, adolescentes, jovens, adultas e idosas.

seuvizinho

Qual a missão do Seu Vizinho hoje?

O “corre”, ou a missão, é construir com as pessoas do Aglomerado da Serra ações artístico-culturais que contribuem nos seus processos de formação humana e de emancipação, que valorizam  a negritude e a favela, e que combatem as desigualdades territoriais, raciais, de classe/econômica, de gênero e geracionais no território.

Para saber mais do Seu Vizinho: @seuvizinho_, 31 98399-9898

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O Seu Vizinho surgiu em novembro de 2014 como um bloco de carnaval na Vila Marçola, no Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas do Brasil, com o objetivo de fazer um carnaval acessível, coletivo, diverso e de resistência, que contribuísse para o fortalecimento e das pessoas do nosso território, em sua maioria negras, para a valorização da cultura e das potências da favela e para a união da cidade.

Com o tempo, ampliamos nossas ações no campo da arte, da cultura, da educação e do apoio socioassistencial às famílias da comunidade. Além disso, buscamos o fortalecimento do trabalho em rede com artistas, coletivos e outras organizações locais. Hoje somos Organização da Sociedade Civil (OSC) formalizada, sem fins lucrativos e atuamos com Arte e Cultura como Formação Humana. O público participante inclui principalmente pessoas do aglomerado, mas também de outras partes da cidade: crianças, adolescentes, jovens, adultas e idosas.

Aqui é Todo Mundo Junto e Aglomerado!