Tramas que vestem nosso tempo

09/08/22

O trabalho das mulheres que preserva um patrimônio cultural mineiro e produz a base de um dos setores mais expressivos da economia do estado de Minas Gerais.

A moda Mineira se destaca no cenário nacional não apenas pelo primor em seus cortes e modelagens, uma produção com personalidade própria que a distingue de outras regiões mas principalmente pelo trabalho artesanal e cuidadoso aplicado ao vestuário. Os bordados, as rendas e o acabamento minucioso das peças solidificaram a moda como uma forte expressão cultural mineira.

Pensar a história dessa moda requer um exercício constante de atenção, deslocamento e conversa, pois ainda que grandes marcas façam suas contribuições essenciais para esse desenvolvimento, esta história é tecida e fiada por pessoas anônimas e fatos cujo único registro são as peças costuradas por mãos habilidosas. Nada seria possível sem o rico trabalho aplicado a este vestuário.

A arte da costura no desenvolvimento da nossa sociedade é uma tecnologia milenar que ficou resguardada ao trabalho doméstico de mulheres por muitos séculos. Costurar, assim como as atividades da limpeza e da cozinha eram consideradas pelo patriarcado uma atividade de afeto e cuidado familiar, desse modo negligenciadas em seu lugar de trabalho. A ausência de reconhecimento e espaço desses saberes não impediu que a tessitura dessa história acontecesse através de trocas geracionais e se mantendo firme até hoje.

Embora a relação da tecelagem e costura tenham permanecido fortes no campo afetivo e das trocas geracionais, os modelos de trabalho na costura se modificaram ao passo do aumento do ritmo de produção.

Nos anos 60, as costureiras, ou modistas, atendiam diretamente as demandas das suas clientes, confeccionavam sob demanda e também desenhavam criações autônomas para venda em seus ateliês. Em função da valorização crescente do consumo, a criação de etiquetas e marcas registradas tornou-se mais forte. Assim as modistas se tornaram estilistas. Enquanto as costureiras eram aquelas que reproduziam, em suas máquinas, peças de revistas. Essa distinção social de status no mercado fez com que aqueles que projetavam suas próprias peças fossem mais glamourizados do que as costureiras de bairro que costuravam sob demanda.

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Muitas costureiras e alfaiates vieram do interior para a capital montar seus ateliês, as bordadeiras que garantiram peças que marcam a moda mineira. Mulheres e homens que ainda hoje dão continuidade a uma tradição que remonta a história de uma cidade com aspiração moderna e cujo conhecimento é essencial para tudo que se cria a partir do tecido.

Remontar a história da moda mineira na perspectiva de costureiras, alfaiates, artesãs e pilotistas é como observar uma complexa trama de remendos. São inúmeros os fios que podemos seguir entre tantas histórias anônimas que existem. Olhar para as roupas do passado através de brechós ou acervos é, para nós, como uma arqueologia do mundo cotidiano. Reconhecer pontos de bordado à região onde se desenvolveu, o crochê de renda às artesãs mais antigas, encontrar técnicas já quase extintas em nosso Estado. Podemos até dizer que cada roupa de ateliê, costureira ou alfaiate teve uma história, por isso são tão plurais as narrativas da moda nesse ponto de vista.

Conversamos com três personagens da moda mineira, cujos trabalhos nos anunciam que os caminhos da moda se conectam através da particularidade das pessoas que costuram e constroem os artefatos do nosso tempo. A escolha das personagens passa pelo recorte dos contratos, formas e espaço de trabalho atuais. Laudirene, pilotista do Apartamento 03 e a Graça, pilotista da Coven, ambas exercem suas funções na fábrica de seus contratantes. Nossa terceira personagem é a Linda, costureira faccionista, trabalha em casa sob demanda das marcas que a solicitam.

Não foi surpresa entender que as suas narrativas se confundem com tantas outras comuns às famílias mineiras. A filha mais velha que aprendeu costura com a mãe para ajudar no preparo da roupa de toda família. A matriarca comprava tecido em promoção e tinha que criar peças diferentes para cada um dos muitos filhos. A mistura de referências do dia a dia, das marcas que trabalha e das revistas que acessa. A costureira que era reconhecida pelo talento e recebia clientes que atravessavam a cidade para levar um tecido e ter o corte daquela mulher e voltar semanas depois para buscar.

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Provavelmente alguma dessas histórias faz parte de sua família, se ela cresceu no interior. Ainda que elas se repitam em termos gerais, cada uma delas foi de grande importância para o conhecimento da costura ser disseminado de geração para geração. Além de sempre expandir através das trocas que, como nos contou Laudirene, são a essência do trabalho coletivo em ateliês, fábricas e vizinhanças, verdadeiras escolas do dia-a-dia, onde colegas se ensinam e soluções são alcançadas na conversa entre estilistas, modelistas e costureiras.

Na direção de uma historiografia da vida cotidiana essas histórias que escutamos revelam que, apesar de certas narrativas serem tão partilhadas, cada uma tem suas nuances, pontos e caminhos tão únicos. Não pretendemos aqui um registro da história da costura mineira, mas de suas perspectivas a partir de três vivências, em uma provocação para buscarmos conhecer, respeitar e valorizar essas mãos que executam elaborado conhecimento que se apresenta em risco como comentado por todas elas, nas palavras de Graça:

“Antigamente eu lembro da minha mãe falando que quando uma pessoa era costureira era uma profissão muito privilegiada. Uma mulher que sabia costurar, ela era bem notada.

Hoje em dia a costureira parece que não é importante mais pras pessoas.”

Dito isso, o registro que nos pareceu mais apropriado é o oral. Participando da própria forma como esse saber se dissemina, sem recortar a profundidade e leveza de cada história e sua trama de saber, afeto, trabalho, criação, partilha e tanto mais.

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Leia na íntegra as conversas com as protagonistas desta tessitura:

Graça
Graça, pilotista da Coven há 15 anos. Costureira há mais de 37 anos no trabalho fabril.

- Como você começou a costurar?

Sempre na família tem que ter alguma costureira né? Igual a minha mãe, minha mãe era costureira. E eu com idade de oito, nove anos eu já ajudava ela assim no acabamento de costura de mão, tipo bainha de calça, né? Eu ajudava nas bainha das calças, o botão, essas coisas. E um dia eu cismei. Eu tinha uns treze ou quatorze anos, meu pai comprou um tecido lá pra gente fazer uns vestidos e eu mesma cortei e fiz. Na mão. Tudo na mão. E não é que o negócio ficou bom!

Naquela época da minha mãe não tinha molde, a pessoa falava o modelo que queria, o jeito que queria e a assim fazia. Trabalhava de casa mesmo. A gente morava no interior, não tinha luz naquela época, costurava com lamparina ou vela, né? E era numa maquininha de mão. Era o dia inteiro, às vezes de noite até tantas horas da noite.

Tadinha sempre costurava lá naquela alegria e eu ficava ali perto dela segurando a lamparina

Às vezes com sono e ela falava: “vamos minha filha, só mais um pouquinho porque tem que terminar isso aqui”. E eu eu tinha que ficar rodando pra lá e pra cá com a luz, pra onde ela ia mexer. E durante o dia eu ia ajudar ela com as barrinhas.

Não sei se você conhece o bordado ponto pé de galinha, eu aprendi a se fazer isso aí com nove anos! Como tem que ser, né? A gente toma gosto pelas coisas desde pequena.

- Como foi sua trajetória na profissão?

Eu já tinha meus vinte anos quando comecei a trabalhar numa fábrica de camisas. Aí foi nessa camisaria que eu aperfeiçoei mesmo a minha profissão. Camisa social requer uma delicadeza.

Eu comecei como auxiliar, virando golinhas. Aí eu como eu já sabia costurar, só me treinaram na máquina industrial. Eu peguei firme e fui fazendo as partes de uma camisa. Em menos de um ano, a pilotista saiu e eles me deixaram no lugar dela e eu fiquei toda entusiasmada. (Pilotista é a costureira que desenvolve as peças piloto. São essas peças que materializam as ideias dos croquis, a partir delas é que nasce toda a produção).

A

segunda marca que eu trabalhei foi modinha, essas coisas de modinha é tudo coisa mais fácil. A terceira foi a Vide Bula. Quando eu saí de lá, no mesmo mês eu vim pra cá (coven). Não fiquei desempregada nem um mês, porque contrataram uma turma da marca.

Mas aqui na Coven que eu fui conhecer costura mesmo, alta costura! Aqui é tudo diferente né?

A gente pega cada peça que eu vou te contar. Você olha e pensa: como é que essa peça vai sair né? Aí tem que pôr a cabeça pra funcionar! Daí quando pensa que não, a peça sai maravilhosa. Eu peguei amor pela profissão, sabe? Tudo que eu faço eu tenho que fazer com calma, paciência, com carinho pra poder sair tudo o melhor possível. A gente não fala perfeito, a gente não tem como fazer tudo tão perfeito. Mas o melhor que eu posso.

Às vezes é assim meio cansativo pra mente da gente que a mente da gente tem que trabalhar muito rápido. É cansativo mas é muito bom fazer as coisas que a gente gosta, né?

Tudo que a gente vai fazer a gente tem que fazer com amor. Eu fico apaixonada quando eu

faço uma peça que todo mundo se encanta. Eu fico maravilhada. Aí quando é assim é um incentivo! Faz querer se dedicar mais ainda. Cê olha e fala assim: noó, nem acredito que foi eu que fiz isso!

Eu lembro que uma vez eu fiz um vestido bem no início quando eu cheguei por aqui. E na hora do desfile u falei assim, nó gente a gente vê coisas que a gente fabrica assim desfilando pra todo mundo ver, isso é maravilhoso demais.

- Como é a convivência do trabalho na fábrica?

Todo mundo dá uma ideia diferente do que faz. Porque às vezes a gente sozinha a gente já está com a cabeça cansada e não consegue achar uma ideia melhor. Então a gente pergunta e aí as pessoas ajudam.

O tricô (especialidade da Coven) eu fui aprendendo com as outras pessoas, com as outras costureiras que já trabalhavam aqui, né? A modelista mais antiga aqui é uma senhora de oitenta e dois anos, ela tem muito conhecimento do tricô, então ela vai dando as dicas né?

- Como você vê o futuro da sua profissão?

É muito difícil achar um jovem falar que gosta de costurar, quer seguir essa profissão. Eles quer fazer outras coisas né? Trabalhar no computador, fazer um curso superior. É isso que eles estão querendo hoje em dia. E a costura está ficando pra geração passada. Antigamente eu lembro que minha mãe falava, quando uma pessoa era costureira era uma profissão muito privilegiada. Uma mulher que sabia costurar, ela era bem notada.

Hoje em dia a costureira parece que não é importante mais. Pras pessoas, né? Pessoal gosta, é outra coisa.

- Você prefere trabalhar em fábrica ou em casa?

Trabalhar fora é muito melhor. Porque você vai, né? Você conta com a sua responsabilidade, volta pra casa tranquilo e vai descansar. Descansa de verdade. Eu já cheguei a virar a noite costurando quando trabalhava em casa. Já cheguei a virar um dia. Peguei serviço três horas da manhã. o dia todo, a noite toda e parámos quatro horas da tarde no outro dia pra poder dar conta de entrega. Pessoal, não quero isso pra mim não.

As faccionistas trabalham desse jeito, viu? Mas é muito cansativo. que a gente tem que ter as horas certas pra descansar né? Porque senão sua cabeça não funciona. Ainda mais por ser um serviço que você está o tempo todo raciocinando. Costurar é muito bom mas tem que limite também né? É um trabalho de atenção e amor.

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Linda, costureira há mais de 35 anos. Costura por facção há três anos.

- Qual é a sua história com a costura?

Bom, eu comecei a trabalhar com confecção de roupa com 14 anos, ai fui ser costureira mesmo depois de 1 ano, aos 15 na confecção. Ai eu comecei com 15 anos e fui pegando a prática, hoje eu já faço a peça inteira, de qualquer coisa! Mas o que eu mais gosto mesmo é trabalhar com modinha. Eu amo meu trabalho! Gosto muito de ser costureira.

Eu tô quase aposentando! Acho que ano que vem eu aposento. Trabalhei muito dentro de fábrica. Trabalhei até na Vide Bula. Esse ano eu faço 29 anos de contribuição no INSS né, mas na verdade como costureira eu tenho uns 35 anos de experiência.

Hoje eu trabalho em casa. Eu trabalho pra duas marcas fixas. Eles trazem pra mim a roupa cortada, eu monto e entrego toda pronta. Agora eu tô com 75 vestidos para fazer. Eu faço uns 10 vestidos por dia. Peguei quinta-feira e devo entregar na quarta-feira. Já entrego tudo prontinho pra eles. Assim, não faço acabamento não né, eu monto a peça.

- Então o que levou você a decidir ir pra casa foi essa busca por mais liberdade para você organizar seu tempo, certo?

Quando começou a pandemia eu fui trabalhar em casa. Quando as confecções abriram de novo me chamaram pra voltar, só que eu não quis porque eu acostumei em casa sabe? Hoje não me vejo enfiada dentro de uma empresa não, eu gosto de ter o meu horário e eu acho em casa bem melhor.

Assim, eu trabalho mais… Eu ganho mais, mas eu trabalho mais. Mas não tem problema, só de ter a minha liberdade… Eu moro sozinha, tenho meus dois cachorros é tranquilo pra mim. Eu vou pra minha academia de manhã, chego em casa, tomo meu banho, assento na máquina e vou atéééé 1:30 da manhã. As vezes eu trabalho no sábado, as vezes não, mas domingo meu é livre, e eu gosto muito.

- E o que que te motivou a aprender a costurar ?

A minha mãe e avó eram costureiras. A gente via elas fazer roupa pra gente e achava legal. E falava assim: “mãe, quando eu crescer eu quero ser costureira”. E aí foi uma atrás da outra, aqui nós somos 3 que trabalham em casa. Tem duas que fazem calcinha e peça íntima. Elas não entendem muito bem de modinha e essas coisas que eu faço não sabe? E eu não sei fazer o que elas fazem, eu não faço peça íntima, eu faço é roupa mesmo.

- Quais desafios você ja teve ou ainda vive trabalhando com costura? O que você acha desafiador nessa profissão?

Assim, tem umas coisas… eu não gosto muito desses tecidos fininhos não, sabe? Tipo musseline, vestido de festa… eu não gosto muito de trabalhar com esses tecidos não. A minha irmã já gosta, os vestido que ela fazia pra festa, ela conseguia fazer 1 vestido por dia. Eu não gosto disso! Eu gosto de pegar o tecido, pegar a roupa, e ver o serviço saindo. Agora esse negócio de fazer uma peça por dia pra mim não rola, pode pagar pra mim o preço que quiser mas eu não gosto… eu gosto é de produção!

Entreguei 55 jaquetas semana passada e já trouxeram outro corte pra mim, que são esses vestidos. A jaqueta é cheia de detalhe, é forrada… e eu tava conseguindo fazer 6 jaquetas por dia, eu gosto disso! Porque o tecido fino ele é muito delicado, então você não tem aquela habilidade de trabalhar mais correndo com ele, se não você faz tudo errado, faz tudo torto, tem que ter delicadeza pra pegar, e eu não gosto! Eu gosto de tecido plano (risos)

- E o seu acordo de trabalho é de acordo com o que você produz ou é um acordo fixo independente do quanto você produzir?

Quando vem a produção pra mim, eu faço uma peça. E ai daquela peça eu vou saber quanto tempo eu vou levar pra produzir. Ai o valor a gente combina. Ela me dá um preço, e ai se eu achar que o valor está muito baixo, eu comento com ela, e aí a gente combina o valor. E aí já tem os preços totais, igual esse vestido né. Eu não gostei muito do preço não aí ela foi e aumentou um pouquinho pra mim, mas as vezes não da pra aumentar e eu concordo… mas é assim… eu trabalho a muito tempo pra eles né… e outros lugares também é a mesma coisa.

- Como você faz para organizar sua rotina de trabalho de casa sem se atrapalhar?

Eu tô acostumada com meu horário né, eu vou pra academia, chego, tomo banho, faço um cafezinho e sento na máquina. Meio dia eu paro pra almoçar, ai eu lavo minhas vasilha, chupo uma laranja, assento ali fora com meus cachorro… ai dá 1:00 eu sento na máquina de novo e vou até as 5:00, paro pra tomar meu café… mas se eu sair um pouquinho desse horário, eu já fico preocupada (risos). Ou seja, tem que ter organização, entendeu?

Igual uma outra irmã minha. Ela tentou trabalhar assim, só que ela não conseguiu, porque toda hora ela levantava da máquina e não pode! Se você fica levantando toda hora você não vai fazer nada! Tem que ter foco! Se você levantar toda hora a produção vai embora, entendeu? Tem que ter foco.

Se você não tiver paciência, não tem jeito. Tem que ter paciência, tem que ter responsabilidade, e o foco, se não você não consegue não.

Eu consigo assim, esse mês eu vou tirar 2.200 reais, mas cada mês eu tenho um salário. Mês passado tirei 1.800, esse mês tirei 2.200… eu fiquei 4 meses tirando 2.000 reais, tudo por causa do meu foco. Mas se eu sair um pouquinho daquele foco… ai pronto, desanda tudo.

- Como você enxerga o futuro da costura?

As minhas amigas costureiras, não querem trabalhar fora mais. Descobriram que quem trabalha em casa ganha mais. Trabalha mais, mas tem mais liberdade. Sabe porque? O salário médio de uma costureira é 1.300 e pouquinho, olha que absurdo!

Tem as confecções que pagam mais. O fulano dono da marca X, ele queria me pagar 1.600 reais e assinar minha carteira, mesmo assim eu não quis, porque eu consigo tirar mais que isso em casa, e ainda tenho a minha liberdade.

Agora, eu não acho que os jovens queiram aprender a costurar, porque tem muita área melhor pra trabalhar né, muitos cursos. Tá faltando costureira na área. Eu não vejo mais costureira jovem não (risos), só acha costureira de idade igual a minha, porque os jovens não querem.

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Laudirene, pilotista do Apartamento 03, acumula 31 anos de trabalho em fábricas.

- Como você começou a costurar?

Na faixa de uns doze anos mais ou menos, a minha madrinha de batismo tinha uma pequena confecção que produzia pra própria loja do bairro. Eu gostava de fazer roupa de boneca lá. De manhã eu ia pra aula e na parte da tarde eu ficava lá e ela me ensinava a fazer roupas para as minhas bonecas. A história começou mais ou menos por aí.

Na faixa dos meus dezessete anos eu entrei pra uma confecção. Aí eu comecei a trabalhar na parte da overloque. Quando eu já tinha um pouco mais de experiência fui trabalhar como chefe de arremate em outra fábrica, que no caso era pregar botão, fazer casa, tirar a linha das roupas.

Aí eu entendi que eu queria mesmo era costurar. A fábrica trabalhava com roupa masculina na época. Eu queria ir para sessão de blazer masculino. Aí mais ou menos umas duas horas da tarde já tinha terminado o meu serviço na área do arremate. Nesse intervalo eu ia pra costura pra sessão de casaco masculino e comecei a me aperfeiçoar, aprender de tudo, né? E aí depois quando eu vi que eu estava boa eu troquei e fui para costura. Depois fui pra pilotagem.

Tem gente que acha que é fácil costurar. Sentar e fazer uns pontos na roupa é uma coisa. Você pegar uma peça de um estilista e fazer um desfile, coisa muito diferente, não é fácil. A gente tem que estar bem concentrada, sabe? Tem que querer aperfeiçoar bastante, eu sempre corro atrás disso, na minha área tem que sempre estar aprendendo.

A cada coleção é uma tendência, então você tem que tá procurando aperfeiçoar muito, porque eu sou meio perfeccionista nisso. Quando eu faço alguma coisa que eu vejo não está legal, isso não está bom. Não paro até corrigir, esse negócio tem que ficar bacana.

- Neste tempo todo em que você trabalhou com costura você vê mudanças em como as coisas são feitas?

Com certeza. Há uns anos atrás na área de roupa social, a produção era bem lenta. Hoje isso já mudou muito. As fábricas estão procurando trabalhar por produção, exige qualidade com certeza, mas não era igual por exemplo há uns quinze anos atrás. Que a produção não era tanta igual está sendo agora.

- O que você mais gosta de costurar?

eu gosto de fazer um pouquinho de cada coisa porque aí você vai aperfeiçoando e não esquece como fazer.

- Há trocas de informações entre os estilistas e a pilotagem?

Com certeza! A gente começa uma coleção e o estilista quer trabalhar, vamos supor em cima de uma seda. A gente que está com o material vai ver o que que funciona ou não, o que é que vai agarrar na produção. Então é um dever da pilotista questionar ao modelista sobre a peça. Eu faço isso várias vezes. Eu falo mesmo: olha, não dá pra fazer.

A gente vai aprendendo realmente enquanto equipe e aprende muito! Cada coleção a gente está aprendendo uma coisa diferente. A gente reúne a equipe pra no final sair tudo certo na peça.

- Como é este movimento de estar sempre aprendendo?

No trabalho conheci muitas pessoas que me ensinavam a fazer a coisa perfeita: olha isso aqui você faz desse jeito, não está bom, vamos melhorar aqui, faça assim e vai sair perfeito. E assim eu fui aprendendo. Ao lado de pessoas que também que trabalharam comigo e que me passaram muitas coisas e o que eu sei hoje eu também passei pra frente porque eu sei eu acho que é assim a equipe é uma ajudando o outro entendeu?

- Você prefere ter vínculo trabalhista com o espaço de trabalho ou trabalhar por facção?

Tem muitas costureiras que estão trabalhando em casa por facção. A firma manda o motobói com serviço para elas fazerem em casa acordando um valor por peça, né? Eu já fiz facção, mas atualmente eu gosto mais de trabalhar em fábrica. Porque eu não gosto muito de ficar em casa o dia todo. Quando você faz facção você fica muito dentro de casa não vê muito o mundo lá fora, porque você não tem muito tempo. Então hoje eu prefiro isso. Pelo menos por enquanto, porque tem as partes ruins mas tem as partes boas também. Eu acho que varia de cada situação.

- Você acha que tem novas gerações interessadas na costura?

Na área da confecção, a mão de obra está ficando muito escassa. Tem que começar a dar uns cursos para a pessoa ir aprendendo aos poucos, porque não tem como a pessoa chegar num ambiente já sendo pilotista. Eu acho que está faltando a oportunidade de aprender, né?

O que te motivou a querer aprender e se dedicar a essa história tão longa?

Quando eu comecei eu queria aprender para fazer roupa pra mim. Porque às vezes eu não gostava do que as costureiras faziam pra mim. Hoje a coisa mais rara é eu fazer roupa pra mim.

Mas o que me incentiva é porque eu gosto de costurar. Igual aquelas roupas de desfile. Quando você pega aquele tanto de pedaço, vai montando aquele quebra-cabeça. E no final você vê na boneca de prova aquela roupa maravilhosa, isso aí é muito gostoso. E quando você vê no desfile aquelas coisas mais lindas e pensa que você fez, isso é gostoso.

Me sinto bem com isso. Você vê que a coisa deu tudo certo, ficou lindo, foi bem aceito né? Que as pessoas estão gostando, a gente fica satisfeita também. É uma motivação!

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Agradecimentos especiais:

Agradecemos à Linda, Laudirene e Graça por partilhar suas histórias. E às marcas mineiras Coven e Apartamento03 pela abertura e disponibilidade para articulações.

Quem escreve:

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Natália Aquino atua como produtora de moda. É graduada em Comunicação Social e se dedica a criar narrativas visuais múltiplas utilizando roupa como linguagem. Estuda as subjetividades do vestir e suas interseccionalidades socioeconômicas. Instagram: @natydeaquino; @estratosfericabrecho.

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Thiago Flores é graduado em Arquitetura e Urbanismo. Pesquisa culturas materiais e imateriais, suas memórias e suas correlações com a produção coletiva de espaço. Circula roupas e estórias na @camaleoabrecho. Articula produtores locais, histórias e trocas na @feiradetudo e @revestemodasustentavel. Instagram: @thi_flores.

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Patrícia Nardini/Patilda é graduada em arquitetura e urbanismo, mas a partir da aproximação com o movimento agroecológico foi se redescobrindo profissionalmente. Atualmente atua como designer gráfica, ilustradora e facilitadora gráfica. Instagram: @papatilda.

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