Perdido

13/04/23
Publicado por Bruno Heleno

Em contra-plongeé, ou câmera baixa, Bruno Heleno captura o alto da cidade, que passa despercebida por olhos que seguem em linha reta ou são fisgados por propagandas e pela telinha a postos nas mãos.

“Perdido” é a melhor descrição que achei para uma sensação que eu tenho tido ao voltar a caminhar sem rumo pelo centro, me perder de propósito e experienciar a cidade depois de tanto tempo vivendo e trabalhando de casa.

Sei que foi um privilégio poder ficar seguro e em casa na pandemia, mas ainda assim tive meus momentos de melancolia: sinto falta de sentir o vento, ouvir as pessoas e sentir o cheiro característico da cidade em época de chuva. Junto com a saudade vem uma sensação esmagadora de redescobrir os caminhos que eu passei tantas vezes e agora me causam estranheza. Reencontrar a cidade é como rever uma velha amiga, com quem você marcou de ir e não foi tantas vezes. Aos poucos, lembro de suas feições de concreto, quando ela abre o sorriso sem graça de suas avenidas para mim, mas não posso deixar de sentir que aquilo também é novo.

Árvores

POSTES-1

Uma orquestra de pessoas, carros, animais, máquinas e vento reverbera nas suas cordas vocais retangulares para formar o timbre único de sua voz. E eu, durante seu tagarelar, me pego recordando os momentos que tivemos juntos. E se eu sinto o frio na barriga que é reencontrá-la com tanta coisa para contar, seu humor nublado também não esconde o nervosismo que sente de me ver. E não tinha como ser diferente:

ela também estava nublada quando eu nasci. 

Para não passar pano: a cidade é suja e caótica. Perigosa. Cansativa. Sobrecarregada. Eu mesmo já vi fantasmas por aí. O barulho da avenida não me deixa dormir. Ainda assim, quando estou na rua, entro num estado de espírito que só posso encontrar ali. E isso faz falta.

OLHO-VIVO-CAMINHADAS-circulo

Ainda sinto náuseas quando vou para longe de casa. Essa insegurança que se manifesta fisicamente em mim vai passando aos poucos. Olhar para o céu ajuda. Essas fotos são minha tentativa de explicar como me sinto, com medo, tonto, mas sem conseguir parar de observar os lugares que estou. Tenho saudade dos desconfortos e dos perrengues que deixei de passar andando o dia inteiro para lá e para cá.

PREDIO-2

Resolvi simplesmente pegar a câmera e sair por aí, cada dia em um bairro do centro, com alguém pra ir conversando no caminho.

Estabeleci um total de fotos para serem tiradas e fui por vários dias tentando alcançar. A maioria dos dias, saí sem saber pra onde íamos. Quando precisei, levei a câmera para resolver alguma coisa na rua. 

PROCESSO

Enquanto montava, relembrava as sensações de passar por alguns lugares familiares ou descobrir imagens novas pelas lentes. Me perdi mais de uma vez, mas sempre encontrei o caminho de volta: há anos que ando por bh, e há anos que acho essas ruas uma loucura. 

Prédios-CAMINHADAS-recortado

Queria agradecer às pessoas que foram conversando comigo enquanto eu fotografava, e às pessoas que me ajudaram com equipamentos, às que me motivaram, a quem me chamou pra entrar e beber uma água depois de um dia caminhando, e às que ficaram lendo as versões desse texto que estou escrevendo. 

Sobre o artista:

FOTO 1 ps

Da última vez que tive que me apresentar como artista, saiu assim: “Olha, eu só NÃO sou músico nem tatuador, pra isso eu não nasci”. Vou tentar ser mais específico dessa vez. Com 23 anos eu já quis ser um pouco de tudo, e uns poucos desses tudos eu já experimentei. O trabalho que faço, pelo menos que remunera, é de montagem, design e animação. Como forma de estudos, trabalhei em um punhado de curtas como montador, fotógrafo ou diretor, e expus alguns experimentos com vídeo e interação. Por último, escrevo, mas isso é segredo - então não contem pra ninguém. 

Algumas dessas coisas eu publico no meu portifólio/site, que é o heleno.work, ou no meu instagram, que é o @bruneleno.

Nossa opinião:

Em "Perdido", Bruno toca na afetividade de lugares-cenários de histórias das nossas vidas. Embora contextualizado no centro de Belo Horizonte, o ângulo em câmera baixa cria e recria cenas das vezes em que ousamos olhar para cima, independente do local exato do ato. Em algumas destas vezes, vem a reflexão do quão pequenos somos, em outras, o desejo de voar e em outras, o puro e satisfatório estado contemplativo.