Não existem gênios

30/03/23
Publicado por Diego Drummond

Em múltiplas linguagens, Diego Drummond apresenta suas garatujas, filosofias, inquietações e vulnerabilidades.

Pô, sou um balde furado, queria fazer um texto que te prendesse aqui. 

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Quando nasci, meu pai quase foi preso. Eu tinha problemas respiratórios graves, morava numa casa boa em um bairro periférico, empoeirado, ao lado de um lixão. Contudo, meus pais conseguiram fazer uma catira em uma casa pior, porém no centro da cidade.

Infelizmente, nessa casa antes morava um bandido com o mesmo nome de meu pai, Paulo, e certo dia, após investigação, essa casa foi cercada de policiais armados e invadida de forma truculenta por confusão. Polícia na janela, nas portas, gritos. Eu era bebê, mas ainda tenho os flashs desse momento, o que me faz ter recuo à polícia, cara fechada e pesadelos.

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Namorei uma menina que dizia que palestro para tudo e me faço chato. Com isso, queria agora que não fosse meu tempo desperdiçado, muito menos o seu, que não fosse algo pedante ditando a regra e que nem fosse irrelevante feito promessa política.

Há pouco tempo uma menina falou que gosta dos meus desenhos por isso, por não serem políticos. Não entendi se meu discurso está errado nas artes ou na recepção.

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Essa menina disse gostar do ar infantil dos desenhos e da disposição das cores, do mal feito. Em algumas partes, o artista gosta de atingir o público pelo contemplativo pra então despertar o cognitivo, é o que rola na música.

Sempre tentei o caminho reverso, mesmo que eu não seja artista. Buscava a atenção de todos pela ideia, pra só depois enxergar a beleza. Sempre me mantive nesse caminho contrário por não ser esteticamente bonito, então, pra fazer as pessoas começarem a enxergar beleza em mim, primeiro tentava atiçar sua vontade de estar próximo por outros atributos. No hospital de cegos, se atende quem tem mais urgência primeiro. Pinto monstros mas não sou um, tento fugir disso.

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O acesso a arte é mais difícil quando começamos nossa vida escolar meio que repudiando a escola, buscando fugir da instituição, sendo que a arte está ali. Vocês não tem noção do quanto eu gostaria de acreditar em deus e ter uma fé em algo espetacular, numa resolução, numa promessa, ou em algo que fizesse a vida ter sentido. Na real, nem acredito em sonhos, cresci nesse lugar pobre onde não nos víamos na projeção de uma vida "normal": escola, faculdade, emprego bom, casa própria. Meus professores nem tinham giz. Quando não se tem planos, dificilmente a gente aceita que pode sonhar com algo e de certa forma isso é bom, pois nossas conquistas mínimas são próximas e um pouco mais acessíveis. 

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Não tem motivo nenhum de meus desenhos existirem, a não ser o fato do meu desejo de pertencer ao mundo seus, ser visto um pouco, talvez nos igualarmos em comunhão a querer algo bom para todo. Mostrei a terra, o homem, agora a luta. Só quero te prender comigo por segundos, para ser o Ma de Miyasaki, você contemplar algo besta sem saber o motivo, sem ter que ter um enredo, ser o desvio da rota em que você enxerga o buraco no caminho. Mas será o Benedito minha busca? Meia légua atrás da sua aprovação? Ser relevante em um monte de lugares pra tentar atingir o acesso de mais pessoas como eu? Naqueles ambientes em que não esperam nossa presença.

Desenho em lixo, em caixas, folhas sujas de poeira, meio que no desejo de uma nova forma de pintura rupestre, na aflição de não ter fama, não saber qual material se usa pra pintar direito, de saber que dificilmente alguém pegará em minha mão e me colocará no jogo e dificilmente entrarei em uma galeria. Até mesmo porque eu gostaria de estar nesse lugar, se meus amigos estivessem.

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Um vernissage pra mim só faria sentido se o porteiro do prédio que trabalho estivesse junto, só ele vê como acordo feio, enxerga meus dias tristes ou minhas dores no cálculo renal. Só meus pais enxergam o quanto sofri em empregos mal remunerados, sem direitos trabalhistas e com medo de um acidente. Só meus amigos viram as quedas nos relacionamentos que me fizeram ter vontade de expressar na arte. Só quem está próximo sabe o quanto sofri na maioria das pinturas. E as que fiz em momentos felizes, foi porque eu tinha compartilhado felicidade com eles. Cada quadro que pintei, só faz sentido porque tive perto pessoas simples como eu, não artistas e muitas crianças. Vida simples em suas quedas e acertos.

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Quando a Compartilhada me acendeu esse farol, me guiando na tempestade, enxerguei luz em meus amigos. Meu desejo quando vislumbro destruir o muro de Kaddo é pra que todos tenham acesso ao alimento e não a separação. Quando tento prender vocês em algo é pra mostrar que nada faz sentido, mas a gente junto faz as coisas serem menos pesadas. Talvez eu realmente seja o palestrinha chato, que tenta falar demais, ensinar demais, trazer referências nos desenhos, pra fugir de ser o homem elefante e se tornar um homem humano, acredito que todos deveríamos ser professores. Aliás, acho que não ligo se o texto te prendeu até aqui, na verdade me importo mais se aos poucos nossos dias serão bons, ou menos ruins.

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Quando recebo mensagens de carinho, isso meio que tampa os buracos do balde. E quando não gostam da minha arte, também sinto o carinho, pois ao menos viram, enxergaram flashs de mim.

Não existem gênios, existe a gente lutando pra nos mantermos vivos.

As coisas boas se tornam memórias e um elefante nunca esquece. Então é isso, minha arte não é nada, se torna algo mínimo quando você aceita olhar pra ela um pouco e apaga da sua memória.

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Sobre o artista:

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Me chamo Diego Drumond, sou skatista, de Mateus Leme. Cresci desenhando garatujas em cores que não ornam, em traços não lineares, como se fosse a primeira vez. Garatujas são os primeiros traços de qualquer pintor. Acho que é uma eterna volta ao início, como se eu tivesse ficado preso ali. Estudo Engenharia de Minas. Não sou artista, amanhã isso tudo pode parar e eu começar a cuidar de jardins, ou cozinhar, ou procurar aurora boreal. Tudo incerto.