Beta Maryam: a primeira mãe musicada em artesania

12/04/22
Publicado por Abu (Xifuta Records)

O encontro, a pesquisa e a experimentação de Mukanya e Abu, que deu origem ao selo Xifuta Records. A dupla lançou a música Beta Maryam em um processo que reuniu artistas do Rio de Janeiro, do Acre e da capital Mineira.

Sabe esse espírito de fazer com o que se tem? No caso da música, a gente tende a pensar em condições materiais de produzir o que seja e com o que for, tipo produzir som com o que tiver ao redor. 

Nesse projeto, acho que o “material”, que se encaixa nesse pensamento, é o tempo/espaço. Nosso rolé tem sido uma prática musical que acontece quando e onde os encontros se permitem, ou são permitidos. Talvez seja a principal parada desse nosso trabalho, que está constantemente nascendo faz alguns anos. Parece um papo meio abstrato demais, né? Mas é real.

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Foto: Daniel Ferreira

Mukanya e Abu

Cada um de nós dois têm sua pesquisa e isso com certeza define as possibilidades dos sons. O Mukanya, que é de Niterói, trabalha com a pesquisa, construção e difusão de instrumentos tradicionais de algumas regiões do continente africano e de temas musicais tradicionais ligados a esses locais. Eu, de BH, escrevo raps há uns anos e agora tô dedicando à produção de beats. Nesse encontro surge mais uma possibilidade de difusão desses instrumentos, timbres e escutas: um trabalho do Mukanya, que ele mesmo chama de restauração sonora africana na diáspora Brasil.

Foi dessa convergência, conectada a algumas outras, que surgiu a ideia de começar um selo musical, algo que funcionasse como um espaço no tempo de registro desses momentos. Esses encontros, fluxos e trocas têm se materializado de diversas formas durante os processos de produção, como será dito ao longo desse texto. O selo tem sido uma maneira de investigar as possibilidades de relação com a música e assim o nome Xifuta (sinônimo para estilingue, bodoque) tenta “incorporar” a parada da artesania, em que cada lasca tirada ou mantida na madeira dá característica, torna aquilo único de certa forma.

XIFUTA

Cada pedra lançada é única.

Em 2020, Mukanya e eu soltamos uma primeira música chamada “Prefácio”. Foi também nossa primeira experiência musical juntos, lá em 2018. O projeto nasceu com o nome “Dedo Primata”, mas os fluxos nos levaram a aposentar logo depois esse nome e adotar nossos nomes “próprios”: Mukanya e Abu. Ainda que o brainstorm de onde surgiu o nome dedo primata faça muito sentido e tenha sido bastante rico, o nome tem dessas coisas - ou firma ou não.

Mas voltando ao Prefácio, nele a gente tentou aglutinar todas as propostas do projeto. Colocamos nossas vozes e letras, citações de textos de uma obra do Marcus Garvey, melodias com uma flauta transversal e experimentações com a voz em diversos suportes. A capa da música foi uma pintura feita por Besrat Kebede, artista visual etíope.

Agora em 2022, a gente continua o “livro” com uma nova música e o registro do processo, que foi feito em 2019, no bairro Santa Teresa no Rio de Janeiro.

Beta Maryam: a primeira mãe.

Beta Maryam é o nome de uma igreja monolítica na cidade etíope de Lalibela. É de lá que vem a begena, instrumento que serviu de inspiração para o que Mukanya construiu e tocou na faixa.

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Imagens: Daniel Ferreira

Na esteira dos encontros, essa música tem a participação vocal do Thiago Catarino, amigo e parceiro de trabalho do Mukanya em um espetáculo da companhia Amok Teatro. Foi assim: a gente estava andando lá em Santa Teresa quando o Mukanya encontrou o Thiago por acaso na rua, dali voltamos para o apartamento, onde a gente estava, pra registrar o improviso vocal dele na música. Estávamos começando a criá-la naquele dia.

Algum tempo depois, em 2021, visitando familiares em Rio Branco, no Acre, pude conectar com a Maiara Rio Branco, baixista e produtora musical incrível que mora lá e que emprestou uma linha de baixo pra essa nossa música.

O vídeo foi produzido a partir de imagens feitas pelo Daniel Ferreira, amigo que estava de passagem pelo Rio na época da produção da música e que aceitou se juntar a nós no processo. A mixagem e masterização são do Henrique Staino, o Fantasmatik, grande parceiro da Xifuta nas produções.

A arte de capa para as plataformas de streaming são digitais analógicas e quem assina é o Artur Souza, o @ttttuto. A imagem evoca aquela ideia do dedo primata, que saiu do nome mas seguiu construindo conceitos e ideias.

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Desde esses primeiros encontros tivemos alguns outros e deles surgiram diversos novos registros. Agora, a ideia é soltar esses materiais produzidos periodicamente ao longo de 2022, construindo uma narrativa e abrindo espaços para a possibilidade do tempo, para encontros presenciais, virtuais e de todos as formas possíveis e até das impossíveis.

Quem escreve:

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Abu é nascido e criado em Belo Horizonte, músico e pesquisador antropólogo. Na música desenvolve há 9 anos um trabalho no rap, que começou nas poesias e letras e hoje também segue na produção de beats, gravação e mixagem. Tem dois álbuns (Cru Vol. 2, em parceria com Cizco - 2018; Vô - 2021) e alguns EPs (Mabu Vol. 1, em parceria com Matéria Prima - 2020; Fotocópia, em parceria com Sozinho - 2018; Ponto Chave, em parceria com Bruno Amaral - 2020) e singles lançados de maneira independente. 

Iniciou em 2020 o selo Xifuta Records, dedicado a produzir e lançar trabalhos musicais e artigos de vestuário em parceria com artistas de BH e de outras partes do Brasil e do mundo.