Editais: Isso também é prática!

25/10/21
Publicado por Maria Vaz

A artistas visual e pesquisadora, Maria Vaz, conta sua experiência com a escrita de editais e dá dicas práticas para quem está começando.

Meu nome é Maria Vaz, sou artista visual, fotógrafa e pesquisadora, bacharel em Artes Plásticas pela Escola Guignard e mestranda em Artes Visuais pela UFMG. Mesmo diante da minha formação, uma coisa que não me foi ensinada na universidade foi a escrita de editais de arte e a inserção do artista no mercado, isso a gente aprende - infelizmente - só na prática. E para facilitar o processo para quem está começando agora, eu vou compartilhar, adiante, um pouco dessa experiência.

Acredito que o primeiro passo para a escrita de editais de arte é a maturidade do trabalho que vai ser aplicado. Todavia, por incrível que pareça, o próprio processo de escrita pode ajudar nesse desenvolvimento. Digo isso porque para o primeiro edital que escrevi, em conjunto com minha parceira de trabalho Bárbara Lissa, nós não tínhamos sequer um trabalho, mas uma ideia, um desejo. Curiosamente, há menos de um mês e quase cinco anos depois dessa primeira tentativa – como previsto, recusada – retomamos o texto que escrevemos e percebemos a incrível coerência com o que fomos produzindo ao longo dos anos seguintes. A ideia era linda. A proposta, caótica. O edital em questão já era um tanto ousado para as navegantes de primeira viagem: uma residência artística na Suíça, com hospedagem e ateliê em um castelo, um sonho! Na euforia de fazer dar certo, propusemos um sem fim de coisas que nem tínhamos como convencer que daríamos conta de fazer.

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Cabe aqui uma primeira dica: no caso dos editais que envolvem a execução de um projeto novo, evite propor o que você não consegue, de alguma forma, provar que é capaz de executar, seja pelo currículo (por isso ele é tão importante), ou pelo que você já produziu. Eu confesso que amo sonhar projetos novos e ousados, mas a triste verdade é que ninguém está muito disposto a financiar ideias e sonhos. Porém, ainda que a frustração diante da recusa de um projeto que nos jogamos de cabeça para elaborar seja enorme, esse tempo não é necessariamente perdido. Quantos trabalhos já não comecei – ou começamos - depois de recusas? Da vontade de fazer acontecer o projeto para o qual tantas horas, pesquisas, leituras e escrita foram dedicadas.

TEXTOS Prancheta 1 novo

Pois bem, antes de seguir com as especificidades dos editais, é preciso lembrar duas coisas: existe todo um universo gigantesco dentro do que podemos chamar de produção artística (artes plásticas, visuais, cênicas, cinema, literatura e música), bem como todo um leque de editais possíveis (municipais, estaduais, federais, galerias, salões, festivais, prêmios e residências).

dessa forma

Sorte a nossa que de todo esse tão abrangente leque de opções, algumas boas almas fazem o trabalho de compilar, ler e apresentar as informações básicas dos editais (abrangência, categorias, verba e data de encerramento das inscrições), como Wenderson Fernandes, criador do Emerge.

Aqui é importante lembrar que, ainda que tentarei trazer o assunto e os pontos mais importantes de forma abrangente, que contemple todas as áreas, a minha área de atuação é nas artes visuais e, por isso, as dicas de páginas para seguir e acompanhar os lançamentos de novos editais são mais voltadas para esse recorte, como é o caso do Emerge.

recomendo ainda

Para me organizar e não deixar passar os prazos de inscrição, eu já tive o hábito de criar uma planilha com as seguintes informações:

edital (nome do edital ou instituição que está promovendo);

resumo (de forma bem breve, qual é a proposta do edital e, se eu já tenho um trabalho em mente pra inscrever, o nome do trabalho);

financiamento (se tiver, se não tiver são os primeiros que eu costumo descartar);

link da página;

prazo de inscrição;

divulgação do resultado (se houver).

Eu também escolhia cores para marcar algumas colunas:

azul para os que já foram enviados;

vermelho para os que o prazo passou e para os recusados

verde para os aprovados.

Hoje em dia não faço mais a tal planilha. Querendo ou não, deixá-la sempre atualizada e organizada também envolve um tempo que, para a minha dinâmica atual, não é mais tão necessário desprender. Primeiro, muito graças ao Emerge, que tem uma organização e atualização impecáveis. Segundo, porque criei uma rotina de escrita que, pelo menos de duas em duas semanas, me reúno com Bárbara para ver os todos os editais abertos e fazer as inscrições que contemplam o nosso duo durante as próprias reuniões. Já em seguida, faço também as inscrições para os meus trabalhos individuais.

o ponto é o processo se torna

Sobre isso, a próxima dica é:

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É um adianto enorme ter já organizados os documentos e materiais que são comumente pedidos em todos os editais, independente da área.

O primeiro deles é o currículo, lembrando que aqui trata-se de um currículo especifico: para que o seu trabalho seja selecionado em um salão de arte pouco importa se você domina o pacote office ou se fala alemão e japonês.

o foco é a trajetória

A não ser que seja um edital claramente para artistas com mais experiência, não deixe de mandar. Se você acredita no seu trabalho, quanto mais ele for visto, melhor.

Já se o edital é para a elaboração de projetos culturais, como por exemplo a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, outras informações podem ser bem importantes. Aí está sendo avaliado, para além da produção artística, a sua capacidade de executar um novo projeto, o que envolve uma ação, organização e prazos.

TEXTOS

Digo isso porque eu mesma já me coloquei em projetos como atuante em absolutamente todas as etapas de produção (não façam isso!): da escrita, concepção artística, produção, execução, divulgação até a prestação de contas. Dividam funções, se couber no orçamento. No meu caso, se tratava da produção e impressão de fotolivro, que é algo caríssimo de se fazer. Era ou fazer tudo ou não haveria livro.

alem do curriclo tenha sempre organizado

Cabe ver outros portfólios para se orientar e inspirar. Ainda que haja um modelo padrão, cada trabalho vai ter sua própria forma ideal de ser apresentado.

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Tendo tudo isso organizado, o processo de escrita dos editais já torna-se bem mais fluido, uma vez que, além dos documentos, todos os trabalhos já terão também algo escrito. Basta depois, ser incorporado aos critérios específicos de cada edital.

não quero fazer parecer

Sei bem da dificuldade de muitos artistas em falar sobre seus próprios trabalhos e, mais uma vez, isso também é prática.

em um primeiro momento

Também ajuda ler textos de artistas que admiramos e de trabalhos que conversam com os nossos. e à medida que formos retomando os próprios textos, reler, mostrar para outras pessoas, repensar, ver se está coerente com a proposta do edital em questão e até mesmo com o próprio trabalho, que pode já ter mudado desde a última versão escrita.

o texto pode inclusive mudar

Aos editais de projeto cultural, entretanto, a dinâmica é um pouco diferente e outros tantos textos e informações precisam ser inseridos:

resumo do projeto

É muita coisa? Sim, bastante. Toma tempo e atenção mas, mais uma vez, é só a prática que vai fazer o processo ser menos chato e demorado.

com um bom trabalho e um bom texto em mãos

Essa leitura também vai tornando-se mais fluída e dinâmica com a experiência, garanto. Eu confesso que tomei até gosto por esses processos e acho prazeroso ver o projeto ganhar corpo.

bem sobre todas essas etapas

Para os que quiserem aprofundar ainda mais e obter uma orientação mais pontual e direcionada, com a possibilidade de uma troca de ideias que podem inclusive ajudar no desenvolvimento dos trabalhos em si, recomendo fortemente o curso do querido Cyro Almeida, grande mestre da escrita de projetos, a quem sempre recorro quando tenho qualquer dúvida ou necessidade de uma opinião.

Sem detalhar cada um dos tópicos, uma vez que a cartilha do SEBRAE já o faz perfeitamente bem e de forma bastante detalhada, sugiro antes de iniciar a escrita do projeto, pensar nas seguintes perguntas (e esboçar possíveis respostas):

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Aos poucos o projeto vai se organizando e ganhando corpo e, antes de fazer o envio, não se esqueça de reler quantas vezes possível. Se não der certo para o primeiro edital enviado, repense algumas coisas e mande de novo no próximo. Não vale deixar morrer numa primeira tentativa. Lidar com as recusas é importantíssimo. Frustrante, claro, mas completamente natural. Isso ajuda, inclusive, a compreender o perfil de cada edital, se de fato tem a ver com o trabalho inscrito, se não vale mudar a proposta ou mandá-la para um edital diferente.

Por fim, acredito que todo esse processo é concomitante ao desenvolvimento e maturidade da produção de cada artista. Pensar, estruturar e escrever tanto sobre os próprios trabalhos, quanto para projetos novos, ajuda a organizar as ideias e a pensar os próximos passos.

vale também lembrar que a produção

Sobre a artista, Maria Vaz:

retrato

Maria Vaz é artista visual, fotógrafa e pesquisadora, mestranda em artes pela EBA/UFMG. Em seus trabalhos trata da relação entre a memória individual e coletiva a partir de uma dimensão poética e da fabulação. Desenvolve uma produção híbrida através de experimentações entre imagem e palavra, analógico e digital e o uso de arquivos públicos e familiares.

@mariafivaz