"É que eu faço umas rimas e tiro umas fotos"

Em um domingo de chuva, estávamos Matéria e eu próximos daquela famosa loja de esfihas na Afonso Pena. Com uma inquietação quase transcendente, ele fotografava as cenas que nos corriam pelos olhos e atravessavam o tempo. Uma das fotos tinha como assunto um casal apaixonado, que se escondia da chuva debaixo de uma marquise. Na hora exata do clic, um entregador fez pose. Na imagem, apenas uma das mãos dele apareceu, criando uma estranha e totalmente interessante composição. Aquilo virou riso, que virou papo, que virou escuta, que virou uma outra fotografia do moço no retrovisor de sua moto.

Eu fiquei observando tudo, até o momento em que ele pergunta: “é para o seu instagram” e o Matéria responde: “é”. Então o cara pegou o celular, abriu o aplicativo, seguiu o Matéria na rede e perguntou algo como: “você trabalha com fotografia?” e o Matéria responde “é que eu faço rap e tiro umas fotos”. 

A partir desse momento, quase que catártico, eu me pus a pensar a causa e o efeito deste conteúdo. Para onde levar esta conversa? Qual ritmo? Qual composição? Quais as sombras? Onde a luz bate e onde ele reflete? Foi preciso algum tempo para entender duas coisas: a primeira é que este conteúdo é sobre fotografia e a segunda é que: “é o olhar, ele te faz entender o porquê cê olha pras coisas de certa forma”, parafraseando o artista.

Poderíamos passar algum tempo lendo uma conversa, que durou horas e até dias, já que nos encontramos três vezes para trocar ideia e construir a entrevista, mas, eu não vou mentir, me agrada muito mais a ideia de passar um tempo, muito bem investido, vendo imagens, que por si, contam milianos de histórias.

Matéria Prima  é “novidade das antiga” na música, completando 23 anos de carreiras neste ano. Se você não conhece a discografia que vai de “Dois atos” (2017), passa por “Bem Boom Bap” (2018), partindo para “Rascunhos de um momento conturbado” (2019) e fechando, até aqui, em “Visão” (2020) recomendo que coloque os fones de ouvido e deguste cada palavra, beat, nota, textura e imagem dos álbuns e singles disponíveis nas plataformas de streaming.

Agora, com o Matéria Prima da fotografia documental, da fotografia de rua e do cotidiano, eu te convido para um passeio. Chega mais, coloca um dos álbuns dele para tocar. Afinal de contas:

“eu tô entendendo que meu olhar pra vida se traduz nesse olhar da câmera, sabe? Muito doido! Eu escrevo assim porque eu tiro foto assim. Meu olhar é esse para tudo na vida”.

Foi Matéria quem disse!

Quem escreve:

Ruth Flôres é jornalista e artista da palavra e da imagem. Editora da Revista Compartilhada, Ruth caminha entre criatividade, contação de histórias, poesia e experimenta a distorção da realidade através da fotografia.

Foto: Matéria Prima