Coisas que Aprendi Hoje

28/04/22
Publicado por Dê Jota

Em três áudios, três ilustrações e uma escrita de apoio, o artista cria um personagem, que reflete sobre o tempo, sobre o outro e sobre ser.

PRÓLOGO

Bom, eu preciso começar esse nosso diálogo de alguma maneira. Inclusive, esse é o meu maior desafio nos últimos tempos. Começar. Dar o primeiro passo. O que dizer? Quais palavras usar?

Manhã: Como começar

Na infância sempre me questionavam sobre o que eu gostaria de ser quando crescesse. Essa era com certeza uma pergunta difícil e fácil ao mesmo tempo. Porque eu queria ser tudo e nada. Com aquela tamanha indecisão e falta de idade sentia que podia ser uma porção de coisas. Dentista, cupido, cuidador de idosos, limpador de piscina, arrumador de pinos de boliche, adestrador de cachorros ou realizador de desejos. De todas elas, a que eu mais admirava, você já pode imaginar, era a de realizador de desejos. Seria tudo muito simples, as pessoas me pediriam alguns desejos para que eu pudesse realizar, como um gênio de lâmpada que concede três pedidos. Mas no meu caso, poderiam pedir mais de três. 

Na verdade não seria uma tarefa nada fácil ser um realizador de desejos e hoje em dia deve ser ainda mais complicado… Há quem queira conhecer os lençóis maranhenses… Realizar um mergulho em alto mar para ver de perto uma baleia jubarte… Quem deseje que todo mundo possa comer bem e até repetir se quiser, com direito a sobremesa… Fazer um mochilão pela Europa. Ter uma tartaruga que voa. Dizer ”não” quando tiver vontade. Querer que as roupas e louças se lavem sozinhas. Ou então, que as pessoas pudessem olhar a vida com mais simplicidade.

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Hoje mais cedo, eu parei para pensar como nós somos incapazes de gostar de coisas simples e estamos, de alguma forma, sempre correndo para chegar em algum lugar. Você também tem essa sensação? Não tenho a menor ideia de onde é esse lugar. Mas sinto que estamos correndo feito uns loucos desenfreados, às vezes com uma viseira que só nos permite olhar para a frente. Atropelando tudo que não está na direção dos olhos. Ficamos, portanto, exaustos de toda essa maratona, mas é como se existisse um personal trainer sempre nos dizendo para superar e chegar ainda mais longe. 

Já não nos resta mais tempo para apreciar um bolo de fubá com gotas de goiabada, um sorvete de menta com floquinhos de chocolate ou simplesmente de jogar um jogo de tabuleiro de perguntas e respostas que nunca chega ao fim. Perdendo o controle de tudo, inclusive das pernas, os movimentos dessa corrida são, de certa maneira, involuntários. Corremos sem pensar. As pernas já se encontram musculosas, sonhadoras e exaustas. É chocante descobrir que a fruta não nasce da fruteira e nem iogurte da geladeira. E tudo que causa paz e tranquilidade é um bom banho para apaziguar as ideias na cabeça.

Tarde: Tudo que eu vejo

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Um homem de trinta anos de idade, com alguns fios brancos na cabeça, que pensa que ou o mundo explode ou as coisas boas da vida são do tamanho de um grão de arroz. Uma mulher de 24 anos de idade que pensa estar atrasada por estar a um semestre de sua formatura. Um adolescente que não se sente envergonhado ao conversar sobre jogos com os amigos na internet. O Homem ensina que os valores da família devem ser preservados acima de tudo. A criança que não está nem aí para o que vão pensar dela. O adulto que só se importa com o pensamento do outro. A criança que tem mais a ensinar ao adulto do que o contrário. O homem repensa seus hábitos alimentares e o consumo excessivo de carne. A mulher que deseja uma vida sem ameaças constantes. O adolescente que descobre que não quer ser isso ou aquilo. Os homens que traem. As mães que educam. Uma mão que faz um carinho. A pessoa que não quer encarar a beleza do mundo sozinha. O homem que acha que se não for com ele ou com a família dele não existe. Fulano que não quer estar dentro de caixinhas. Beltrane que não quer ser menino ou menina. Ciclane que descobre que pode e deve ser exatamente aquilo que é. 

Fim: Coisas que aprendi hoje

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Sobre o artista:

Dê-Jota

Dê Jota tem 23 anos e é nascido na cidade de Belo Horizonte, é ator, ilustrador e bailarino. Formado pelo Teatro Universitário da UFMG e graduando em Artes Cênicas, também pela Universidade Federal de Minas Gerais. É ator, produtor e pesquisador do programa de rádio “Teatro no Ar” e é ator convidado do Grupo Maria Cutia de Teatro no espetáculo Auto da Compadecida que tem concepção e direção de Gabriel Villela. Tem uma gata que se chama Lis e adora Voleibol.