As dores (in)visíveis das crianças

01/12/21

Com delicadeza, sensibilidade e profundidade a escritora Ana Lídia e a ilustradora Maria Jupira dão tom, cor e textura a um sentimento: a depressão.

De acordo com as minhas memórias, dos meus 6 anos de idade até uns 11 anos eu vivia em constante frustração e sofrimento. Fui uma criança alegre, era falante e agitada, mas era também muito sensível, como sou até hoje. Tudo o que eu sentia era grande, tudo muito grande e eu muito pequena. Me sentia sozinha, rejeitada, sem amigos, desvalorizada, invisível. Uma luz sempre brilhou no meu peito, mas era sempre reprimida, porque eu não tirava boas notas na escola.  

Com 12 anos eu estava em outra escola, até fiz amigos, fiz amizades que carrego até hoje, mas lá eu repeti de ano, vi meus amigos indo e eu ficando, cada vez mais sufocada, e foi a primeira vez que dei nome para o que eu sentia. Chamei minha melhor amiga para o banheiro e falei para ela: amiga, acho que tenho depressão. 

Com 13 anos eu estava em outra escola, dessa vez uma que via a luz que brilhava no meu peito. Mas cheguei com a luz tão forte que incomodou os olhos de algumas pessoas. Fiquei sozinha, pelo menos me senti sozinha. Me vi brilhando sozinha. Na festa junina daquele ano meus pais me perguntaram “cadê  seus amigos”, e eu respondi: não tenho. 

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"Minha luz piscava como lâmpada com mau contato."

Com 14 anos eu decidi pedir ajuda, mas em silêncio. Não foi a primeira vez que usei meu corpo como voz, mas foi a primeira vez que marquei ele para sempre. A internet me ensinou que aquele era o jeito mais fácil de pedir ajuda e sentir alívio. Era uma forma de tirar o que doía no peito e fazer doer na pele, onde a gente consegue ver, localizar e tratar, com a segurança de ver que cicatrizou de vez e não vai abrir mais. 

Dos meus 15 anos aos 17 anos eu vivi uma grande montanha russa, com enormes subidas e descidas maiores ainda. Brilhei mais forte que o sol e virei incêndio. E aquela depressão que me falou seu nome quando eu tinha 12 anos de idade veio batendo na minha porta de lá para cá. Checava vez e outra se eu sentia sua falta, se era hora de visitar de novo. Me fez sentir que eu não estava mais sozinha, eu a tinha. E ela me tinha.

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"Cheguei aos 20 anos carregando meu pequeno corpo de 6 anos nas costas."

Carrego meu passado nas costas há tanto tempo que as vezes sinto que meu corpo de agora 20 anos nunca soube o que é estar no presente. Carrego o peso de uma jovem adulta, junto ao peso de uma criança e uma adolescente que foram esquecidas lá atrás, mas que eu nunca esqueci. Minha adulta hoje precisa ser ouvida, agora precisa ser ouvida por três. Lutando para sua luz nunca apagar.

Nossa opinião:

Dar nomes aos sentimentos é uma forma de validar o que se passa na tríade mente, corpo e coração. Este relato sensível da escritora nos pega em um ponto importante: o cuidado com a saúde mental das crianças também.

A ilustração de Maria Jupira acresce o texto em textura e cor. O azul junto aos tons palha são transporte há um certo frio e introversão que captam a vivência em primeira pessoa da autora.

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Sobre as artistas:

ANA LÍDIA

Ana Lídia

A autora Ana Lídia é uma jovem artista, apaixonada por escrita desde seus 12 anos e poeta desde os 15. Publicou seu primeiro livro de poesias aos 18 anos e atualmente produz um podcast de poesias e crônicas chamado Monólogo Terapêutico, que se encontra disponível no Spotify. Além de artista, é estudante de Psicologia e militante do movimento feminista.  

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Maria Jupira

A ilustradora Maria Jupira tem 19 anos e é mineira de Belo Horizonte. Sempre gostou de desenhar, tem afinidade com a arte desde cedo, mas foi em 2019 que passou a se entender nesse caminho como profissional. É ilustradora, pintora e autora da HQ "Cortina Rasgada", que conta a história de uma jovem belo horizontina chamada Ana, publicada no instagram desde 2020.

Mais trabalhos da artista:

Ilustração Sem Título 12

Ilustração Sem Título 6

Ilustração Sem Título 14

Ilustração Sem Título 5

Ilustração Sem Título 13

Ilustração Sem Título 10

Ilustração Sem Título 8

Ilustração Sem Título 9

Ilustração Sem Título 11