A Sol e A Lua

26/04/22

A amizade dos artistas Éileen e Tsade também é o elo que os une no fazer artístico e na militância pelas pautas LGBTQIA+. Nesta publicação, eles contam sobre o livro “A Sol e a Lua” e o graffiti inspirado na obra.

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Há alguns meses atrás eu descobri a existência de um abrigo LGBT+ no bairro Lagoa, é um bairro com muitas pessoas extremamente homofóbicas e aquele abrigo precisa de ajuda, minha meta também é que "A Sol e a Lua" consiga alcançar esse abrigo, mas pensar nisso também me fez reviver uma memória que eu achei que eu tinha superado e eu descobri que não exatamente. Uma memória de quando eu tinha 12 anos e fui cercada na escola com pessoas rindo, gritando e me xingando porque eu andava muito com uma amiga, logo, eu era lésbica.

Eu estava começando a me encontrar na minha sexualidade, como bissexual, e depois disso, juntando com uma família mais conservadora, com ameaças alheias e tudo que eu ouvia no meu bairro, eu passei por diversas crises e me culpei por me atrair também por mulheres. Eu me sentiria representada, me sentiria em paz vendo um graffiti no meu bairro com duas mulheres se beijando como a Sol e a Lua e do jeito que eu era, eu sei que ficaria obcecada com a arte e admirada com a coragem dos artistas.

Eu me lembro que, alguns meses depois, eu conheci o Henrick Tsade em uma aula de artes, que eu fui somente porque meu psiquiatra me aconselhou, e ver ele falando com tanta paixão sobre arte, era uma coisa que acalentava meu coração e fazia meus olhos de 12 anos brilharem até que nos tornamos amigos e eu descobri que, por um acaso, sempre via grafites dele na região e então descobri que morávamos extremamente próximos.

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Quando eu tive a minha “desilusão amorosa” com a ‘Lua’ e comecei a escrever A Sol e a Lua, eu queria poder fazer algo que a comunidade LGBTQIA+ do bairro visse e se identificasse. Não apenas algo no centro da cidade. Não apenas algo que a comunidade LGBTQUIA+ aqui da periferia visse no jornal, sobre um grafite de duas mulheres se beijando e pensasse “uau, no centro me apoiam”, mas algo que a comunidade LGBTQUIA+ pudesse ver, mesmo indo buscar o pão na padaria, e pensar: “aqui eles me apoiam”. Uma arte que aquela garota de 12 anos veria, logo depois de ser atacada na escola pela sexualidade, e se sentisse representada e admirada pela coragem dos artistas.

E eu fico muito feliz que a garota de 12 anos ficaria admirada com a coragem dela mesma e do artista que falava com tanta paixão sobre arte, só que anos depois. E é como o Tsade disse: A Sol e a Lua representa um recomeço, uma luta, uma força, resistência, e uma entidade viva que nasceu na nossa vida.

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Sobre o graffiti, por Henrick Tsade

Este trabalho de graffiti foi executado em um dos becos do bairro onde moro (bairro Lagoa), e carrega uma historia forte por se tratar de uma parede na casa de uma senhora, que considero muito. Há muito tempo ela pediu para que eu fizesse algum trabalho artístico no muro dela, depois de muito tempo tive a melhor oportunidade possível para pintá-lo, que foi neste projeto de A Sol e a Lua e, com muito prazer, me entreguei ao trabalho no momento de execução da arte, trazendo traços e técnicas bastante relacionadas aos traços essencialmente do graffiti, mas com um viés mais ilustrativo na arte.

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Os vizinhos no dia observavam e comentavam, dizendo estarem gostando bastante, mas quando foi percebido que se tratava de uma imagem que expressava o amor entre duas mulheres, houve um certo estranhamento da parte dos moradores e de quem passava, mas mesmo com o estranhamento, houve um bom feedback, com muitos elogios, que enche o coração da gente.

Trabalhei nessa arte usando de uma imagem encontrada no google como referencia, a partir dessa imagem dei vida a Sol e a Lua, usando de uma grade orgânica para traçar a arte, a partir daí dei preenchimento e forma, transformando a base nessa arte linda e muito representativa.

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É de extrema importância um trabalho do tipo em uma comunidade tão carente de cultura, é mais do que uma arte, mas também uma chamada de atenção, um grito para que haja sempre o respeito acima de tudo, respeito as escolhas alheias, a expressão de amor do próximo.

“A Sol e a Lua” carrega consigo o amor sincero, o amor real, mas também a dor de se amar, o peso de sentir e não ser retribuído. E com a arte não é diferente, o artista se expressa com amor ao que faz, mas esta sempre sujeito a intervenção negativa de pessoas desrespeitosas, que atacam com ódio o que um dia foi feito com AMOR. Essa arte carrega fortemente essa possibilidade: possibilidade de ser atacada, por se tratar de um trabalho que diz sobre a homossexualidade, questão que sofre desde muito tempo represálias e violências por parte das pessoas homofóbicas. Como artista, peço ao universo que não permita que isso aconteça. mas se acontecer, não seria somente um ataque a arte, mas também um ataque homofóbico, um reflexo dessa violência que acontece diariamente em nosso país. Mas como a arte já pede e afirma "O AMOR SEMPRE VENCE!" e assim é e sempre será!

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"A Sol e a Lua" e as vantagens de ser uma artista mulher, por Éileen

Desde muito cedo, quando eu encontrei a arte na minha vida, eu percebi que teria inúmeras vantagens nesse mundo (sendo uma mulher) como, por exemplo, aprender sobre grandes e famosos artistas e, às vezes, aprender a história de como artistas mulheres tiveram a vida difícil e foram traídas pelos seus maridos. Fazer arte sem toda uma pressão de ficar conhecida por ela, porque eu, provavelmente, vou ficar conhecida caso eu esteja com um artista homem e a melhor de todas, é ter que escolher entre minha carreira e a maternidade mas se eu escolher a carreira, eu sou egoísta, "filho é uma benção".

Eu vivi quase que o tempo todo, enquanto escrevia "A Sol e a Lua", tomando cuidado pra não ser muito sentimental, tomando cuidado pra não ser muito fria, tive que ver se eu não era "feminina demais" ou "tentando ser menos feminina" e meu medo sempre foi, que com a chegada do Tsade, o projeto se tornasse o estereótipo que eu tento fugir, "por trás de uma grande mulher tem sempre um grande homem" mas o Tsade sempre me apoiou em ver que por trás da Éileen e do Henrick Tsade, existe a Helen e o Henrique.

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Você pode ler, baixar e contribuir com o projeto "A Sol e a Lua" clicando aqui.

Os artistas:

bios

A mineira Helen Sampaio, conhecida artisticamente como Éileen, é a idealizadora do e-book “A Sol e a Lua”. Ela foi diagnosticada com depressão aos 10 anos de idade e encontrou na arte uma forma de se expressar. Com 14 anos ela se assumiu bissexual e começou a usar sua arte também como ferramenta política, organizando pequenas manifestações e ocupações, falando abertamente sobre sua depressão, sexualidade e assuntos afins. Ainda aos 14 anos ela foi convidada a pintar cenas para um filme indie e aos 19 anos ela participa de uma antologia e trabalha juntamente com o Henrick Tsade em “A Sol e a Lua”. Atualmente também trabalha como streamer e ama fazer colagens psicodélicas.

Henrique Alves, que se nomeia artisticamente como Henrick Tsade, é envolto pela arte desde sua infância. Carrega consigo a dança, o artesanato, a capoeira, as artes cênicas e as artes visuais, frequentando desde criança até sua fase adulta vários programas e projetos relacionados a cultura e a arte. Hoje trabalha com mais vigor como Graffiteiro. Começou em meados de 2011 em uma instituição religiosa e desde então vem realizando várias proezas no meio urbano, com seu graffiti, sua dança e performances. É um participante ativo da cultura da cidade e permeia seus sons, suas cores e facetas. Hoje trabalha junto a artista Éileen no projeto "A Sol e a Lua".